Neste 19 de junho é celebrado o Dia Mundial de Conscientização da Doença Falcêmica; especialista alerta para o risco de acidente vascular cerebral nesta população
Crianças falcêmicas são mais suscetíveis a desenvolver acidente vascular cerebral (AVC), uma das complicações neurológicas mais graves da Doença Falciforme. Essa disfunção genética e hereditária é a mais predominante no mundo. Segundo um levantamento realizado pelo Departamento de Informática do SUS (DataSUS) foram registrados 1.087 casos novos no Brasil no período de 2014 a 2020, com uma incidência de 3,78 a cada 10 mil nascidos vivos. Na atualidade, estima-se que existam entre 60 mil e 100 mil pacientes no País com a enfermidade.
Também conhecida como anemia falciforme, a doença atinge 8% da população com ancestralidade negra, mas também pode acometer pessoas pardas e brancas devido à miscigenação da população brasileira. As manifestações surgem a partir do primeiro ano de nascimento e persistem durante toda a vida, como anemia, crises de dor, infecções recorrentes, icterícia, dentre outros. O diagnóstico precoce é realizado por meio do teste do pezinho, oferecido gratuitamente antes do recém-nascido receber alta da maternidade.
A doença é caracterizada por uma alteração dos glóbulos vermelhos (hemácias), os quais assumem a forma de “foice” ocasionada por uma mutação. Conforme explica o membro do Comitê Científico do Instituto AVC da Amazônia (IAVC), o Prof. dr. Eric Paschoal, essa deformidade “dificulta a passagem desses glóbulos pelos vasos sanguíneos, os quais não oxigenam o organismo de maneira adequada e geram uma série de complicações, inclusive no cérebro”.
“Essas hemácias alteradas se agrupam e causam uma inflamação na parede dos vasos cerebrais (vasculopatia). E, consequentemente, leva ao bloqueio ou à redução do fluxo sanguíneo no cérebro, elevando o risco de um derrame cerebral. A fragilidade dessas hemácias causam o rompimento da artéria e, em seguida, a anemia. Para se ter uma ideia da gravidade da condição, as crianças falciformes têm um risco 250% maior de ter um derrame em comparação com a população em geral desta faixa etária. Por isso, é considerada a principal causa de AVC isquêmico entre o público infantil”, alertou o especialista.
O padrão de circulação sanguínea cerebral é diretamente afetado, portanto a chance de causar um AVC secundário silencioso entre as crianças com anemia falciforme é de 30 a 75% maior. “Este quadro clínico pode levar a uma queda importante do rendimento escolar, em decorrência dos momentos de crises da falcização – quando em completa desoxigenação formam-se células em forma de foice – determinando quadros de dores ósseas e musculares, ou até mesmo uma perda cognitiva progressiva com deficiência intelectual”, ressaltou Eric Paschoal.
Os pacientes falcêmicos com idade de 2 a 16 anos precisam ser monitorados com exame Doppler Transcraniano (DTC), no mínimo uma vez ao ano. Em alguns casos, o exame deve ser repetido em intervalos mais curtos, a cada 3 meses, em 30 dias, ou conforme orientação médica. O método permite avaliar a velocidade do fluxo sanguíneo nas principais artérias cerebrais e detectar o risco da ocorrência de um AVC.
“A partir do exame, avaliamos a necessidade imediata ou até mais tardia de realizar a transfusão sanguínea de forma otimizada e preventiva. O DTC identifica aqueles que apresentam fluxo sanguíneo maior que 200 centímetros por segundo. Essa informação ajuda a diagnosticar quais apresentam o risco de desenvolver um AVC”, disse o professor.
Caso identificado o risco, o tratamento preventivo aumenta a sobrevida dos pacientes e melhora a qualidade de vida. As consultas, exames e medicações são ofertados pelo Sistema Único de Saúde e ajudam a minimizar as complicações.
Em Belém, desde 2012 o Grupo Neurogenesis em parceria com o IAVC da Amazônia seguem um protocolo de monitoramento das crianças falcêmicas encaminhadas com esta enfermidade. O trabalho resultou em algumas publicações em cooperação com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), determinando a “vasculopatia cerebral” específica que se desenvolve nos pacientes da região amazônica, conforme publicado recentemente pelo grupo de pesquisadores do Centro de Formação Neurovascular da Amazônia.